domingo, 14 de novembro de 2010

Perda

"Suor... Banhada em suor. A almofada estava ensopada e a camisa de noite colada ao corpo. Destapou-se e arrastou-se para fora da cama, tentando acalmar o coração que palpitava freneticamente no seu peito. Chovia torrencialmente lá fora e tudo parecia calmo dentro de casa, mas algo a perturbava. Dirigiu-se em passadas largas ao quarto do bebé, para verificar que tudo estava como devia estar. Abriu a porta e deslizou até ao berço do seu menino. Sossegado. Demasiado sossegado. Adormecido. Inclinou-se, colocando-lhe a mão sobre a barriga, tentando apanhar os movimentos de uma respiração regular. Nada. O seu coração saltou enquanto pegava no bebé, para tentar detectar o calor da respiração. Nada! Não... Não podia ser. O seu bebé, o seu menino! Repetiu os mesmos movimentos, tentando, em vão, captar a respiração que lhe provaria que ele estava vivo. Quando percebeu que nada iria acontecer e que ele iria permanecer adormecido nos seus braços, apertou-o contra si, embrulhado no cobertor que lhe comprara, deixando as lágrimas correr livremente e deixando-se cair, agora sentada no chão a embalá-lo, balançando-se para trás e para a frente e entoando a canção de embalar que lhe cantava desde o dia que soubera que estava grávida.

Quando o dia começava a romper, levantou-se, pousando o bebé no berço e aconchegando-lhe o cobertor ao corpinho frio, prometendo-lhe que iria protegê-lo e estar sempre com ele, sem deixar de cantar. Dirigiu-se à casa-de-banho e abriu uma gaveta, enquanto trauteava baixinho. Retirou uma lâmina e sentou-se sobre o tapete que cobria o chão de mosaico. Passeando a lâmina ao longo do braço, ergueu-a e começou a desenhar a primeira letra do nome que escolhera para o seu bebé. A música que lhe brotava dos lábios pálidos ecoava nas paredes nuas, enquanto a lâmina deslizava sobre a sua pele, penetrando a carne para gravar nela o nome do que de mais precioso tinha e acabava de lhe ser roubado. A camisa de noite começava a ficar manchada, mas ela sabia que era necessário. Uma vez terminado ali, com um floreado, fez descer a lâmina sobre a perna para continuar o que começara. Mais sangue a correr e o seu filho cada vez mais gravado em si, parte de si e cada corte deixando-a mais perto dele. Cantou e cantou até perder as forças para continuar. Estava tão cansada... O seu menino. Precisava dela. O último corte... E as suas pálpebras fecharam. Enquanto cantava para o seu tesouro... e sorria, sabendo que estariam juntos, em breve."

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Mudança

Há três anos, saía à noite todas as sextas e sábados; trabalhava e o que ganhava era gasto em saídas, compras e coisas pouco úteis; não tinha ninguém a depender de mim e agia sem pensar; era impulsiva; a minha insegurança influenciava as minhas decisões; tinha uma constante necessidade de ter gente à minha volta; tinha um namorado que adorava e que julgava ser para a vida; ficava acordada a noite toda à conversa com amigos na net; todas as semanas conhecia gente nova; fazer directas era o prato do dia; não sabia medir quantidades na cozinha e isso pouco me preocupava; a minha vida girava à volta do meu namorado e dos meus amigos; não tinha nenhuma amiga com filhos, nem nenhuma que para lá caminhasse.

Hoje, saio à noite de vez em quando e, raramente, os dois dias; terminei o curso que queria e estou a esforçar-me mais do que alguma vez o fiz para arranjar emprego; o dinheiro que vou tendo é gasto moderadamente e não me lembro da última vez que comprei roupa; tenho uma pequena pessoa a depender de mim e, antes de fazer ou combinar seja o que for, tenho que o ter em conta primeiro; não faço nada sem ponderar todos os prós e contras; a insegurança é uma parte mínima daquilo que sou hoje; passo a maior parte do tempo sozinha e a minha lista de amigos reduziu drasticamente; namorado nem vê-lo; à meia noite já tenho sono e ficar acordada a noite toda na net é impensável; contam-se pelos dedos as vezes que conheci gente nova este ano; directas são coisa rara e o depois requer muitas horas de sono; agora, todos os dias tenho que cozinhar e preocupo-me em aprender a fazer coisas novas; a minha vida gira à volta do meu filho, a minha prioridade número um; desde que engravidei, já perdi a conta à quantidade de mulheres grávidas e mamãs que já conheci.

Dizem que as pessoas não mudam. E talvez seja verdade. Não mudam, a base do que são está lá e é sempre a mesma, mas adaptam-se. Ninguém me pode dizer que a pessoa que eu era há três anos é a mesma que sou agora. Tudo isto fez com que tivesse que me ajustar à vida que tenho hoje... e, quando me dizem, que já não me reconhecem, eu apenas sorrio.

Refúgio

Sempre fui uma pessoa saudosista. Sempre fui muito de fotografar tudo para ter memórias físicas de todos os momentos. Mas desde que acontece...